Sónia Grané

Esta temporada estreaste-te no Teatro Alla Scala em Milão com uma ópera de Sciarrino, tiveste a tua estreia enquanto Rainha da Noite na Staatsoper Berlin e agora estreias-te neste papel de Peri. Três desafios completamente diferentes - ou não?
Sim, definitivamente diferentes! Sciarrino é música contemporânea e quase “não cantada”, Mozart é clássico e a rainha da noite apresenta desafios muito próprios, como a coloratura e tessitura extremamente aguda. Schumann é romântico e apresenta linhas líricas maravilhosas.

Esta é a primeira vez que cantas Das Paradies und die Peri - já conhecias a obra antes? Quais foram as primeiras impressões?
Não, não conhecia a obra! A primeira coisa que me veio à cabeça quando ouvi uma gravação foi “mas como é que eu não tinha conhecimento de tal obra existir!”

A obra é muito raramente apresentada, o que achas que a torna especial?
Quando se ouve falar em oratória, Bach, Handel, Haydn e Mozart é o que vem à mente, não Schumann. No período romântico não foram escritas muitas oratórias e é precisamente o facto de ser uma das poucas desse período que a torna especial.

Tu fizeste os teus estudos superiores em Londres mas optaste por construir a tua carreira em Berlim. Estas cidades oferecem possibilidades muito diferentes para um cantor?
Sim, sem dúvida. Londres foi óptimo na minha formação, mas infelizmente em termos de trabalho tem um círculo de oportunidades muito fechado. Só tem dois teatros a tempo inteiro e depois três ou quatro companhias de ópera que funcionam maioritariamente no Verão. Berlim, tem 3 teatros a tempo inteiro que contam ainda com um Ensemble, ou seja, oferecem a possibilidade aos cantores de fazerem parte da equipa de solistas da casa. Também existem diversas pequenas companhias de ópera que oferecem aos cantores a possibilidade de experimentarem papéis em palco. Para além disso, o nível de vida em Berlim é bem mais barato que em Londres.

Tens algum conselho para algum/a jovem cantor/a que esteja a pensar seguir os seus estudos fora de Portugal?
Acho que o principal é tentarem ser fluentes em pelo menos 3 línguas para além do português. Para um cantor é indispensável, independentemente do país que escolham para seguir os seus estudos. Outro conselho é informarem-se bem qual o destino mais adequado ao ramo que pretendem seguir - barroco, italiano, alemão, um pouco de tudo...

Sónia Grané a ensaiar Das Paradies und die Peri

Sónia Grané a ensaiar Das Paradies und die Peri

 

 

Isabel Vaz

Isabel Vaz (Lisboa, 1986) | Amesterdão, desde 2007
violoncelo

Violoncelista da Noord Nederlands Orkest (Holanda) e do Haarlem Piano Trio, colaboradora da NedPho (Amesterdão), Orquestra Gulbenkian e Orquestra Sinfónica Portuguesa. Estudou na Fundação Musical dos Amigos das Crianças (Lisboa), na Escola Superior de Música de Lisboa, na HAMU (Praga), no Conservatório de Amesterdão e na Manhattan School of Music (Nova Iorque), na Hochschule für Musik, Theater und Medien Hannover; foi premiada em concursos em Portugal e no estrangeiro; foi bolseira da Fundação Calouste.

[Arte no Tempo / Orquestra XXI] Ainda enquanto estudante da Escola Superior de Música de Lisboa, estiveste em Praga, no âmbito do programa Erasmus. Nessa altura já sabias que passarias os anos seguintes no estrangeiro? 
Enquanto criança e jovem nunca tive a oportunidade de viajar e conhecer outros ambientes e culturas. O Erasmus que fiz enquanto ainda estudava na ESML realizou o sonho que eu tinha de sair de Portugal e proporcionou-me a oportunidade única de passar uns meses noutro país, para além, claro, da possibilidade de continuar a aperfeiçoar-me no violoncelo com um excelente professor. Esta experiência abriu-me o apetite para futuras viagens/estadias prolongadas, ou não, lá fora.

alguns anos que deixaste Portugal. O que é que as cidades dos países por que tens passado te oferecem de diferente? 
Em Praga tive a sorte de, na altura, arranjar um quarto no bairro judeu, bastante central. Mal punha o pé fora da porta era logo rodeada pela beleza da arquitectura desta cidade, já que sempre tinha gostado de Arte Nova. Praga também é uma cidade com uma actividade musical bastante intensa. Eles têm particular orgulho nos seus compositores (Dvorak, Smetana, Martinu, etc) sendo que muitos dos concertos de lá incluem pelo menos uma obra de um compositor checo, o que me fazia sempre muito feliz.

Devo destacar Nova Iorque pela oferta cultural mais diversificada e intensa que alguma vez experienciei- os concertos de jazz, ou ópera, teatro, broadway, museus que frequentei tanto quanto possível. Recordo-me de uma noite em particular, em que andava a saltitar de bar em bar com música ao vivo e em que o bar seguinte tinha músicos melhores que os bares anteriores, já para não falar dos músicos no metro e na rua, de uma qualidade espantosa. Por outro lado, fiz lá bons amigos que me fizeram sentir em casa logo desde o início.

Amesterdão é a cidade do meu coração (a seguir a Lisboa). A Holanda foi um país que me recebeu muito bem. Apesar do choque cultural inicial ter sido considerável, rapidamente comecei a respeitar a abertura, a tolerância, e a frontalidade (facilmente confundida com má educação para alguém como eu, que vem de um país do sul) que caracterizam o povo holandês. Os amigos que lá fiz (em menor quantidade mas não em qualidade) são, creio, para toda a vida.

A partir dos 20 anos, foste por duas vezes distinguida no Prémio Jovens Músicos, na categoria de música de câmara. Anos mais tarde formaste um quarteto de cordas. Essas experiências do PJM foram determinantes ou já sabias que a música de câmara desempenharia um papel importante na tua carreira?
O gosto pela música de câmara já existia desde antes. A escola de música que frequentei dos 4 aos 17 anos (antiga Fundação Musical dos Amigos das Crianças, agora Academia Musical dos Amigos das Crianças) apostava fortemente nas classes de conjunto, o que possibilitou que desde muito cedo começasse a tocar com colegas- sempre um prazer enorme, comparado com o estudo solitário do instrumento numa sala. Adoro fazer música de câmara porque gosto de tocar e aprender com colegas, ao mesmo tempo que me permite uma certa expressão individual.

Recentemente ganhaste um lugar de violoncelista na Noord Nederlands Orkest. Voltar para Portugal não se encontra nos teus planos mais próximos, certo?
Neste momento as coisas estão a correr bem em Amesterdão, o que não quer dizer que nunca mais volte para o meu país. Na verdade gostava de começar a desenvolver um projecto artístico para breve, em Portugal, um festival de música de câmara.

Depois de Lisboa, estudaste na República Checa, nos Estados Unidos da América e na Holanda. Porque escolheste fixar-te na Holanda?
A decisão de ficar na Holanda deu-se porque percebi que as estruturas culturais e socio-económicas deste país me permitem levar a cabo o estilo de vida musical que sempre quis, de natureza variada. Não foi um percurso fácil, mas lá arranjei um trabalho part-time de orquestra, um ou dois concertos de música de câmara por mês, alguns alunos privados e ainda me resta algum tempo para vir tocar com a OrquestraXXI e desenvolver quaisquer outros projectos que me realizem a nível pessoal/profissional. Para além disso, é lá que vivo com um músico muito especial e "partner in crime" com quem me casei recentemente, o violinista brasileiro Eduardo Paredes. 

Se te fosse dada a oportunidade de melhorar um só aspecto do meio musical português, o que mudarias? 
Se pudesse mudar um aspecto do meio musical português, seria a criação de mais oportunidades para os músicos; gostava que os músicos que vivem em Portugal não tivessem uma carreira que passasse quase exclusivamente por tocar em orquestras e/ou dar aulas. Gostaria que houvesse uma rede maior de apoios às artes mas, para além disso, também uma programação mais original e atractiva para o público em geral, que o justificasse.

De que sentes mais saudades, estando fora de Portugal? 
Tenho saudades das pessoas, sejam eles família, amigos ou até desconhecidos que encontro no dia a dia; sinto-me bem sempre que cá venho. E do sol, e do calor! Muitas saudades de sair de casa sem que imediatamente me veja obrigada a contrair todos e cada músculo do meu corpo por causa do frio.

Qual foi a experiência mais importante que o estrangeiro te proporcionou?
Confesso que tenho dificuldade em escolher uma só experiência no estrangeiro que tenha sido realmente importante. Tudo foi importante porque me moldou naquilo que hoje sou. Se tivesse ficado em Portugal há 9 anos, tudo estaria bem à mesma, tenho a certeza, mas seria uma pessoa muito diferente daquela que sou hoje. 

Os músicos que conheci (professores, colegas de conservatório e, mais tarde, de quarteto e orquestra), assim como os amigos que fiz, mudaram a minha maneira de ver a música e a vida. Estou, no entanto, igualmente grata a todos os músicos que conheci, muito antes, em Portugal, pois se não fossem eles não teria tido a preparação e abertura que me permitiram desfrutar e aprender tanto lá fora.

Embora não tenhas tido disponibilidade para integrar todos os programas da Orquestra XXI, estás associada ao projecto desde a sua primeira digressão. Em que é que o projecto pode não ter correspondido às tuas expectativas? 
Na verdade, não mudava nada! Saí super satisfeita dos dois projectos em que participei, tanto do ponto de vista humano como artístico. Longa vida à Orquestra XXI, cujo principal mérito se prende, a meu ver, ainda mais com a manutenção do projecto (que não deve ser fácil) do que com o pontapé de saída inicial! Muitos parabéns!

Que projectos musicais tens para os tempos mais próximos?  
Por enquanto continuo a desenvolver o trabalho que tenho na orquestra, com o meu trio com piano e com os meus alunos. Está para breve a organização de um festival de música de câmara em Faro, que irá também ao encontro de outras artes (teatro e literatura) e promove um intercâmbio entre a Holanda e Portugal! Espero que corra tudo bem e que seja possível levar este projecto a bom porto, que ao realizar-se contará com a presença de músicos de qualidade excepcional e espectáculos muito especiais, programados com muito cuidado e atenção. Mais notícias, em breve.

Horácio Ferreira

Jovem Músico do Ano 2014 (Prémio Maestro Silva Pereira) e apontado como 'Rising Star' da temporada de 2016/17 da ECHO, o clarinetista Horácio Ferreira integra o projecto da Orquestra XXI desde a sua primeira digressão. É ele o solista da 5ª digressão da Orquestra XXI, que terá início no próximo dia 30 de Agosto e se estenderá até ao dia 4 de Setembro, cobrindo cinco regiões do país.

[Arte no Tempo/Orquestra XXI] Concluindo a Licenciatura, foste logo para a Escola Superior de Música Rainha Sofia (Madrid). O que te levou a procurar esta instituição, uma vez que não confere um grau académico?
Quando terminei a licenciatura não fui de imediato para Madrid, pois nesse ano, não abriram vagas de clarinete. Esta mudança só viria a acontecer em 2011. Eu tinha muita vontade de estudar com o Michel Arrignon, portanto nunca me preocupou o facto de não me ser atribuído um determinado grau académico. O meu foco era evoluir no clarinete com alguém que pudesse ajudar-me, mesmo que isso implicasse não estar numa instituição, ou que a mesma não me conferisse uma habilitação.


Em Setembro passado tornaste-te o Jovem Músico do Ano. Este verão recebeste a notícia de que serás “Rising Star” da European Concert Hall Organisation na temporada de 2016/17. Em que medida é que ter ido para Madrid pode ter contribuído para estas conquistas?
Ter ido para Madrid foi fundamental. Fui focado em melhorar e em dedicar-me ao clarinete para conseguir objectivos como estes. Felizmente, tive a sorte de os poder atingir. Lá tive a oportunidade de me apresentar inúmeras vezes em palco, nas mais diversas formações; isso, sem dúvida, foi um ponto chave para atingir as mais recentes conquistas. Estar rodeado de grandes nomes, em Madrid, ajudou-me imenso e creio que isso foi fundamental para a maneira como encaro hoje o clarinete e a música. Posso concluir que as diferentes vivências e o nível de alunos da Reina Sofia me ajudaram a abrir os horizontes no que diz respeito à maneira como vinha encarando a música até então.


Podes explicar sucintamente como funciona o programa ‘Rising Star’ e falar-nos do que tens planeado para essa temporada?
O programa ‘Rising Star’ consiste numa digressão europeia pelos auditórios membros desta organização, onde os diferentes artistas escolhidos actuam. Esta organização inclui as principais salas de concertos europeias, como o Barbican Hall em Londres, o Konzerthaus em Viena, ou a Philharmonie de Paris e eu fui nomeado pelas duas instituições portuguesas, a Casa da Música e a Fundação Calouste Gulbenkian. No meu caso, irei apresentar-me em recital com piano, onde pretendo divulgar alguma música portuguesa e tocar repertório “tradicional” para clarinete e piano. No entanto, ainda estou a trabalhar nesse campo…


Qual é a vivência mais importante pela qual imaginas que poderias não ter passado, caso tivesses permanecido em Portugal e prosseguido por cá a tua formação?
É difícil responder a esta questão. Ter ido para o estrangeiro foi uma decisão difícil, uma vez que tinha emprego em Portugal. No entanto, era muito novo e não me sentia ainda realizado no clarinete. Sentia-me capaz de fazer mais e precisava de alguém que me ajudasse a acreditar nas minhas capacidades. Penso que ter ido para fora foi uma experiência enriquecedora, pelas experiências e acima de tudo pelo contacto com grandes nomes da música… Se tivesse ficado em Portugal, não sei se iria lograr tudo aquilo que tem acontecido na minha carreira desde então.


Ao longo da tua formação, qual foi o ensinamento mais valioso que guardaste e a que recorres com maior frequência?
Várias vezes, o meu professor disse-me que tenho que ser eu mesmo e ser humilde, bem como respeitar ao máximo o texto que cada partitura apresenta. Recordo inúmeras vezes conversas como esta pois só assim poderei respeitar a música e ser respeitado.
Quais são as maiores diferenças que encontras entre o meio musical espanhol e o português? Em Espanha existe há muitos anos uma excelente orquestra de jovens, a JONDE. Cada região tem a sua própria orquestra jovem, o país tem muito mais orquestras profissionais e passam por lá os maiores artistas e orquestras mundiais ao longo de cada temporada. Há grandes agências de músicos e isso permite que exista um constante contacto com artistas de topo. Sinto também que não há grandes diferenças entre o nível de instrumentistas de cordas e de sopros. Se repararmos existem músicos espanhóis por toda a parte. Em Portugal felizmente têm aparecido bons projectos como a JOP e o EGO e, nos últimos anos, têm acontecido grandes feitos com músicos portugueses, no entanto em Espanha eles já vivem esta realidade há muito tempo. É meu desejo que este estímulo continue para que a nossa nacionalidade e o nosso país passem a ser mais respeitados.


Consideras que os países da península Ibérica estão irremediavelmente de costas voltadas um para o outro ou acreditas que um maior intercâmbio é uma forte possibilidade ainda durante as nossas vidas?
Não acredito que haja grandes mudanças nesse campo, uma vez que os espanhóis são muito nacionalistas. Exemplo disso é que imensos professores espanhóis vêm cá a Portugal dar masterclasses e o inverso é mais raro acontecer. Não existe grande intercâmbio de orquestras, portanto acredito que não aconteçam grandes mudanças.


Com a Orquestra XXI, vais apresentar a estreia em Portugal da versão para Clarinete e Orquestra de Luciano Berio da Primeira Sonata para Clarinete e Piano de J. Brahms. Já tocaste a sonata na sua versão original? Como encaras este desafio de apresentar uma peça de música de câmara num contexto concertante?
Esta sonata está muito ligada à minha pequena carreira de clarinetista, uma vez que já a toquei em público várias vezes. Esta oportunidade com a Orquestra XXI será fantástica pois, para além da admiração que tenho pelo projecto, existe uma grande energia positiva em torno desta orquestra. Há uma grande partilha de conhecimentos e creio que isso irá ser muito interessante de vivenciar junto dos músicos e do maestro. Por outro lado, não irei apresentar um concerto, este arranjo de Berio permite explorar diversas sonoridades e timbres num contexto conjunto o que me faz sentir inserido na orquestra e não como protagonista. Estou ansioso para que se iniciem os ensaios.


Tens colaborado com a Orquestra XXI em todos os programas que incluem clarinete e participaste no primeiro recital de solistas da mesma. O que consideras mais interessante neste projecto de jovens músicos portugueses residentes no estrangeiro?
Essencialmente, o que considero mais importante é a grande partilha de conceitos e vivências. É possível notar as diferentes características inerentes a cada “escola” de onde os músicos vêm. Transportar tudo isso para o palco, torna este projecto muito especial e único. No que diz respeito a música de câmara, foi muito enriquecedor poder partilhar o palco com músicos como a Adriana e o Dinis.

Adriana Ferreira

Adriana Ferreira

A flautista Adriana Ferreira (Cabeceiras de Basto, 1990), solista da Orquestra Nacional de França desde 2012, tem sido premiada em concursos internacionais como Carl Nielsen (Dinamarca), Concours de Geneve e Kobe (Japão). Depois de passar pela Artave, estudou no Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris, na Universidade Paris-Sorbonne e na Escola Superior de Música Hanns Eisler de Berlim.


[Arte no Tempo/Orquestra XXI] Quando acabaste o curso secundário, foste logo para Paris. O que te levou a procurar essa cidade? A escola (Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris), o corpo docente ou a própria cidade?
[Adriana Ferreira] Antes de acabar o ensino secundário participei em várias masterclasses, algumas delas muito importantes pois vários foram os professores estrangeiros a aconselhar-me sobre a escola onde eu deveria prosseguir os estudos superiores. No entanto, quase todos me aconselharam a mesma escola e a mesma professora... Devo dizer que a afinidade com a tradição ou "escola" francesa de flauta foi também um dos motivos principais que me fez querer estudar em Paris, embora isso seja muitíssimo relativo e cada vez se torne mais global a forma como abordamos o nosso instrumento. Por último, estudar numa grande cidade tem inúmeras vantagens...


Com apenas 24 anos, concluiste o Mestrado no Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris (CNSMDP) na classe de Sophie Cherrier e Vincent Lucas, frequentaste a Escola Superior de Música Hanns Eisler de Berlim (Erasmus), és licenciada em Musicologia pela Universidade Paris-Sorbonne e concluíste recentemente o 3º Ciclo Superior em Repertório Contemporâneo no CNSMDP. O que te leva a investir tanto na tua formação e como consegues conciliar a formação com a actividade profissional? 
A nossa profissão é extremamente diversificada, pelo que penso e defendo que a nossa formação também assim o deve ser. Admito não fazer grande distinção entre a formação e a actividade profissional, pois tudo se complementa: aprendemos a cada dia, a cada semana, em cada ensaio ou concerto... Creio que quanto mais vasta for a nossa formação e experiência profissional, maiores probabilidades teremos de ser cada vez melhores músicos.


O que te levou a dedicares-te agora à música contemporânea? 
O repertório contemporâneo para flauta é vasto e de grande qualidade, pelo que sempre quis abordá-lo mais aprofundadamente. O 3º ciclo superior que terminei agora permitiu-me uma familiarização muito maior com este repertório, o que espero desenvolver cada vez mais no futuro.

Quais são as maiores diferenças que identificas na atenção que é dedicada à música dos nossos dias em França e em Portugal? 
Na realidade, não tenho uma visão alargada sobre o que é feito em Portugal no domínio da música contemporânea. Em França a abordagem de repertório contemporâneo é parte integrante do currículo de estudos, está presente nos mais diversos eventos, é extremamente fomentada e constitui parte integrante da prática musical.


Tocar em orquestra foi um objectivo conseguido ou foi uma oportunidade que surgiu por acaso? 
Devo dizer que foi uma oportunidade que surgiu por acaso mas que acabou por ser um objectivo conseguido. Quando a vaga abriu, os meus professores insistiram para que eu me inscrevesse, para que pudesse ver como era uma prova de orquestra "na vida real". Eu não pensava cumprir o objectivo tão cedo, mas sinto-me extremamente realizada por isso ter acontecido.


Tens colaborado na maioria dos programas da Orquestra XXI. Como encaraste a proposta de te associares a um projecto de jovens músicos portugueses residentes no estrangeiro? 
Dada a força do conceito da Orquestra, apenas poderia encarar a proposta de uma forma positiva. A Orquestra XXI acaba por fazer algo único e relevante no panorama musical português, pelo que me sinto grata em participar no projecto.


Que projectos tens para a próxima temporada? Qual deles consideras mais estimulante? 

[Adriana Ferreira]O meu próximo projecto mais importante é o lançamento do meu terceiro CD, a solo com a Orquestra de Câmara de Genebra, a realizar no próximo mês de Novembro com o apoio dos relógios Breguet e no âmbito do Concurso de Genebra. Por outro lado, estamos neste momento a organizar igualmente uma tournée de concertos de música de câmara com laureados do concurso em França e na Suíça, a realizar daqui a um ano. Além do meu trabalho na orquestra e de outros concertos, masterclasses e júris, vou escrever alguns artigos sobre performance para publicação.


Um regresso a Portugal é uma possibilidade no horizonte? 
Não faço planos para o futuro, pelo que não posso responder à vossa questão...

João Moreira

O trompetista João Moreira (Porto, 1989) é solista na orquestra MusicAeterna, em Perm (Rússia), e colabora com a Orquestra XXI desde o programa de estreia deste agrupamento de jovens músicos portugueses residentes no estrangeiro.

Em Dezembro de 2015 será o seu trompete o que se ouvirá em Espanha, no concerto de encerramento da Mostra Portuguesa, em Madrid (Centro Cultural Conde Duque), em que a Orquestra XXI interpretará em estreia absoluta uma obra recentemente composta por António Chagas Rosa (Audivi Vocem) e o mesmo arranjo da Sinfonia nº1 de Mahler com que se apresentou na reabertura do Grande Auditório Gulbenkian, em Fevereiro de 2014 (de Iain Farrington).

[AnT/Orq XXI] Ocasionalmente, és visto a tocar em alguns palcos nacionais, mas é na Rússia que passas a maior parte do tempo. O que te prende a esse país?
[JM] Há inúmeras razões: é o meu primeiro lugar fixo, adoro o projecto em que estou integrado; a orquestra MusicAeterna, com o maestro Teodor Currentzis, é uma orquestra que está em progressão e sempre extremamente activa. Temos de momento um contrato com a Sony, e apenas em 3 anos tive a oportunidade de gravar a Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, a 3ª e a 5ª sinfonias de Gustav Mahler, e as 3 óperas "Da Ponte" de Wolfgang Amadeus Mozart (Cosi fan TuttiLe Nozze de Figaro e Don Giovanni). Ou seja, é uma orquestra em ascensão. Tenho também a oportunidade de viajar e conhecer o mundo e tocar em diversos palcos como, por exemplo, nos festivais de Lucerna e de Salzburgo. E não posso, de maneira alguma, deixar de me pronunciar relativamente à paixão que público demonstra pela orquestra. É incrível como a cultura dos cidadãos Russos é tão dedicada ao Ballet e à musica Clássica. Sempre "casa cheia" e fortes aplausos. Não vi isto em mais lado nenhum.  

O que é que a tua ida para a Rússia te trouxe como experiência mais importante?
Está a ser, sem dúvida, uma excelente oportunidade para eu adquirir experiência enquanto músico de orquestra. Tive que me adaptar a outro estilo [de vida], mas tem sido gratificante. O que mais posso realçar creio ser a oportunidade de tocar em grandes palcos. E, claro, o principal tem sido a experiência musical devido à diversidade de repertório que tocamos, desde o clássico ao moderno.

Antes deste período na Rússia, estiveste na Alemanha, onde concluíste o Mestrado na Hochschule für Musik und Theater Hamburg. Conhecer outros mundos era uma necessidade pessoal ou foi o acaso que te fez agarrar oportunidades que foram surgindo?
Bom, desde cedo que o meu professor na EPME e na ANSO, Prof. Sérgio Charrinho, me incentivava e me motivava a sair de Portugal em busca de um nível seguinte e de novas oportunidades. Nunca foi uma mera coincidência, foi sem dúvida devidamente preparado. Depois de uma vasta lista de ideias de professores com quem poderia vir a estudar, chegámos à conclusão de que o Prof. Matthias Höfs seria o ideal. Então, trabalhámos no sentido de chegar até ele. Fui inicialmente ter uma aula com ele a Bremen, na fábrica de instrumentos de metais "Thein"- marca em que é o principal artista. Aí tivemos o primeiro contacto, o que foi como um sonho: sempre fui um enorme fã dele e ali estava eu a tocar ao lado dele. Após essa aula, incentivou-me a fazer a prova e assim foi: durante dois anos estudei na categoria de Mestrado em performance.

A orquestra que actualmente integras, na Rússia, não se situa propriamente na capital, mas também não é uma mera orquestra regional. Que semelhanças e diferenças existem entre uma orquestra como a MusicAeterna, em Pern, e as orquestras regionais portuguesas?
Posso afirmar seguramente que uma coisa nada tem a ver com a outra. O sítio onde se toca não faz a orquestra. Um enorme exemplo disso é Moscovo, que conta com mais de 40 orquestras e, de facto, as que de verdade se realçam são a Orquestra Nacional Russa e o Teatro Bolshoi. Mas voltando à pergunta, com as orquestras regionais portuguesas, creio que poderiam estar ao mesmo nível de qualquer outra se a ajuda monetária fosse igualada às de Lisboa ou Porto, por exemplo. No caso da MusicAeterna, conta com o apoio de bons patrocinadores e bons managers o que a faz estar ao mesmo nível das outras. Essa é sem duvida a grande diferença entre uma orquestra regional Russa e uma orquestra regional Portuguesa: a situação monetária e o apoio com que contam.

Permanecer na Rússia para o resto da vida é uma possibilidade?
Sem dúvida que não. Nunca foi nem será um possibilidade. Estou extremamente grato por esta experiência, mas é só de passagem. Quero voltar para a Europa. Tenho um desejo forte de trabalhar numa orquestra do meu país, mas é simplesmente impossível: não há lugares vagos, portanto nem há oportunidade de tentar. Isso faz com que Alemanha seja um dos meus principais objectivos e tenho vindo a trabalhar nesse sentido. Quero voltar a mudar-me para a Alemanha brevemente.

Integraste a Orquestra XXI nos três primeiros programas, apesar de não teres podido estar presente mais recentemente. O que há de comum nas diferentes residências artísticas e o que notas menos constante, ou diferente, ao longo da existência do projecto? 
Antes de mais é um prazer e honra fazer parte deste projecto. Fico sempre muito feliz quando recebo um convite da Orquestra XXI. De comum, sem dúvida, o espírito positivo e a vontade de trabalhar que se sente a cada projecto, o que motiva e dá vontade de fazer melhor. A excelente organização com que conta esta orquestra ajuda de facto no projecto. Portugal é um país onde é muito difícil fazer um projecto lançar-se e desenvolver-se, portanto é de louvar o trabalho e força de vontade de toda a produção envolvida neste projecto.

Que projectos musicais tens para os tempos mais próximos? 
Todo o mês de Janeiro estarei em digressão pela Europa com a orquestra MusicAeterna, com instrumentos clássicos. E o meu grande objectivo após essa digressão e em parceria com os seguintes programas agendados aqui em Perm é ter aulas privadas com um trompetista com quem tenho estado em contacto e esse será por agora o meu maior objectivo: desenvolver e aprender mais com novas ideias.

Dinis Sousa

Entrevista com Dinis Sousa

13 jan 2015

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O que te levou a ir estudar para Londres?

Na altura em que decidi ir para Londres, não vim para estudar música, mas sim cinema. A mudança de direcção aconteceu depois, mas as razões que me levaram a escolher Londres para estudar cinema seriam as mesmas se tivesse escolhido logo estudar música. Londres, como cidade muito grande que é, tem um meio artístico incomparavelmente maior do de qualquer cidade portuguesa. Isto não se traduz apenas em vantagens; há certos problemas que surgem com uma dimensão tão grande mas, de forma geral, a abertura da cidade a pessoas e projectos transforma-a num centro onde quase tudo pode acontecer.

Qual é a vivência mais importante pela qual imaginas que poderias não ter passado, caso não tivesses saído de Portugal?

Talvez o contacto com o Sir John Eliot Gardiner, que para mim tem sido muito importante. Penso que, se nunca tivesse saído de Portugal, nunca teria tido a oportunidade de o conhecer e acompanhar o seu trabalho durante estes últimos anos, simplesmente pelo facto da maior parte desse trabalho acontecer aqui em Londres. A grande diferença é que, em qualquer parte do mundo podemos "conhecer" maestros, instrumentistas, compositores, mas nem em todas as cidades é possível manter um contacto regular com as pessoas com quem gostaríamos de aprender.

Que vantagens encontras no país de acolhimento comparando com a cidade onde residias em Portugal?

Sobretudo a quantidade de oportunidades que aparecem todos os dias, seja concertos, masterclasses, ensaios, etc. Ainda hoje me surpreendo com a oferta cultural que há em Londres e com a facilidade com que se consegue aceder a quase tudo. Enquanto maestro, talvez a oportunidade de, quase em qualquer momento, poder assistir a um ensaio de um dos muitos grandes maestros que cá vêm, como o Simon Rattle ou o Bernard Haitink, seja a grande vantagem.

O que te levou a criar a Orquestra XXI?

O que me levou a criar a Orquestra XXI foi simplesmente a ideia ter aparecido de repente, em conversa, e me ter parecido que tinha pernas para andar! Claro que as ideias não aparecem por acaso e eu sentia já há algum tempo que gostava de fazer alguma coisa em Portugal, da mesma forma que fazia em Londres. E, como eu, muitos outros músicos sentiam a mesma coisa. Quando a ideia surgiu, bastou-me falar com dois ou três músicos que o entusiasmo se foi disseminando e a palavra foi passando.

Que futuro auguras para a Orquestra XXI?

A Orquestra XXI teve um começo fantástico, reconhecido tanto pelo público como pela crítica. O maior desafio é o de assegurar a continuidade do projecto, mantendo as linhas que estiveram na sua origem mas também estando abertos à mudança e a novas ideias. Não imagino a Orquestra XXI a reunir-se em Portugal todos os meses, até porque creio que tal nem seria possível, mas espero que consigamos manter uma actividade regular e que, aos poucos, possamos ir crescendo e fazendo um trabalho cada vez melhor e mais variado.

Como imaginas a música em Portugal daqui a 15 anos?

Nos últimos 15 anos, o panorama musical português mudou tanto que, se imaginarmos como estará daqui a 15 anos, as mudanças podem ser ainda maiores. A quantidade e a qualidade dos músicos portugueses cresceu exponencialmente nas últimas décadas e continuará a crescer, à medida que temos escolas a preparar cada vez melhores alunos. Neste momento, a grande dificuldade é a capacidade destes músicos se integrarem no tecido musical português, uma vez que, com todas as dificuldades económicas que vivemos, a maioria das instituições parou de crescer e, em alguns casos, diminuíram a actividade ou mesmo deixaram de existir. Se conseguirmos contrariar esta tendência dos últimos anos, com a quantidade de estruturas já existentes e músicos cada vez mais dispostos a arriscar e a fazer projectos interessantes, penso que Portugal pode ter um panorama musical muito activo daqui a 15 anos.

Em que circunstâncias te imaginas a regressar a Portugal?

Esta talvez seja a pergunta mais difícil… O que nos levou a criar a Orquestra XXI foi o desejo de poder fazer música em Portugal sem termos que desistir dos projectos que desenvolvíamos no estrangeiro. Neste momento, para voltar definitivamente para Portugal, teria que deixar para trás muitas coisas que me fariam muita falta. Por outro lado, adorava trabalhar em Portugal, mas também a vida de músico implica quase sempre algumas deslocações, por isso veremos o que o futuro pode trazer.

Que projecto artístico se configura nos teus sonhos como difícil de realizar?

A Orquestra XXI configurava-se difícil de realizar... e concretizou-se! Neste momento, entre a Orquestra XXI e os projectos com que estou envolvido em Londres, não me sobra muito tempo para pensar em projectos novos, mas isso não quer dizer que não vão surgindo ideias que, quem sabe um dia, possam a vir materializar-se…

Bruno Borralhinho

Bruno Borralhinho

(Covilhã, 1982) | Dresden
20 fev 2015

É membro da Orquestra Filarmónica de Dresden; fundador e director artístico do Ensemble Mediterrain; integrou a Orquestra de Jovens Gustav Mahler e a Orquestra Mundial das Juventudes Musicais, foi membro da Academia da Staatskapelle Berlin (2004-2006) e estagiário na Deutsches Symphonie Orchester Berlin (DSO), em 2003; estudou na Escola Profissional da Beira Interior (Covilhã), na Universität der Künste, em Berlim, e com Truls Mørk, em Oslo; foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian; premiado em Portugal.

O que te levou a sair de Portugal em 2000?

Foi um processo bastante natural, quando terminei a Escola Profissional na Covilhã e tive que decidir sobre onde prosseguir com os estudos superiores. A história, na verdade, começou em 1999, quando toquei na Orquestra Mundial das Juventudes Musicais. O professor de naipe, Rudoph Weinsheimer- um violoncelista aposentado da Orquestra Filarmónica de Berlim, com muita experiência e conhecimentos- a certo ponto perguntou-me se eu já tinha pensado em estudar na Alemanha. Confessei-lhe que sim e que, inclusivamente, estava tudo bem encaminhado para ir estudar para Detmold, mas ele insistiu que antes gostaria de me apresentar uma pessoa. E assim foi que conheci aquele que viria a ser o meu professor em Berlim, nos seis anos seguintes, o prof. Markus Nyikos. Houve uma sintonia fantástica desde o início e adorei a Universität der Künste e a cidade. Ou seja, o sr. Weinsheimer acabou por me convencer.

Qual é a vivência mais importante pela qual imaginas que poderias não ter passado, caso não tivesses saído de Portugal?

Claro que há imensas coisas que eu não poderia ter vivido caso tivesse ficado em Portugal, como de certeza que houve muitas coisas que não vivi por sair do país. Numa fase inicial, foi sem dúvida fantástico poder ter aulas e receber ensinamentos de músicos e personalidades que certamente não teria conhecido, ou pelo menos com quem não poderia nunca ter tido o mesmo tipo de contacto, estando em Portugal. Tive a sorte de ter professores realmente muito bons, não só de violoncelo, mas também de música de câmara, por exemplo. E, claro, foi muito especial viver numa cidade como Berlim, com quatro orquestras sinfónicas de topo, três óperas de topo, duas universidades de música de topo, e por aí fora... O dilema diário era, por exemplo, ir ouvir o Quarteto Alban Berg no Pequeno Auditório da Philharmonie, sabendo que para isso não podia estar ouvir a Filarmónica com o Abbado e o Pollini no Grande Auditório, assistir à Parsifal na Staatsoper com o Barenboim e a Waltraut Meier ou ouvir o recital de Hilary Hahn no Konzerthaus.

Ao longo da tua formação, qual foi o ensinamento mais valioso que guardaste e a que recorres com maior frequência?

Que devo ser fiel ao texto (musical) e tentar decifrar o que o compositor pretendia ou pretende transmitir. Por vezes é quase impossível e, aliás, é fascinante como de uma mesma obra se podem ouvir interpretações tão distintas. Mas como eu só posso responder por mim, considero que há sempre uma base de informação razoável, no mínimo na partitura, para harmonizar a minha interpretação com a mensagem da obra ou com o estado de espírito do criador que pretendo interpretar. E mais fascinante ainda é verificar que começa tudo do princípio, quando volto a pegar numa partitura que já tinha tocado no passado.

Que características gostarias que Portugal importasse do meio musical alemão?

O meio musical alemão do presente tem um background e uma evolução que vem de há vários séculos atrás e, por isso é, muito injusto entrar em comparações. Eu diria que a essência do meio musical português é saudável e tem crescido a olhos vistos, apesar das constantes limitações em termos financeiros e logísticos. Por isso mesmo, preferiria importar da Alemanha a consideração, o apoio e o reconhecimento que o Poder tem em relação ao próprio meio musical. Com esse apoio, os problemas do meio musical português poderiam com certeza ser abordados de outra forma e combatidos com outras armas.

Há alguma que gostarias que o meio musical alemão importasse de Portugal?

A música portuguesa, sem dúvida. Na Alemanha há muita curiosidade por música ainda "desconhecida". Esta semana, por exemplo, estamos a tocar uma sinfonia de Hans Rott com a minha orquestra. Alguém conhece? Eu não conhecia! Mas infelizmente a música portuguesa é mais do que desconhecida, é quase um enigma, e seria urgente inverter essa situação porque há música portuguesa com qualidade e que merece ser tocada com mais frequência.

Que futuro imaginas para a música erudita?

A música erudita é imortal e vai existir sempre. A pergunta é: em que condições? Se, por um lado, é provável que tenhamos agora mais música e mais músicos do que nunca, a verdade é que me preocupa muito o tema "público". Olho para a média de idades do público dos concertos e diria que anda à volta dos 50 anos, às vezes mais. E pergunto-me como será daqui a 20 ou 30 anos. Talvez já alguém se tenha colocado a mesma pergunta há 20 ou 30 anos atrás e esta questão seja uma falsa questão, mas eu considero imperativo o investimento na formação de público e, muito especialmente, no contacto das crianças com a música erudita.

O que te levou a aceitar o desafio de integrar o primeiro projecto da Orquestra XXI?

A ideia pareceu-me excelente desde o primeiro minuto. Numa altura em que se fala tanto do talento que se desaproveita com os jovens que preferem deixar Portugal e estudar ou procurar trabalho no estrangeiro, ora aqui está um projecto de qualidade no sentido inverso. Eu pertenço à ala mais "veterana" do projecto e também a um grupo (muito reduzido) de músicos que já tem uma vida profissional estável no estrangeiro. Mas a esmagadora maioria dos músicos que integram a Orquestra XXI são jovens que ainda lutam para conquistar o seu espaço no meio profissional e pareceu-me, também por isso, quase uma obrigação da minha parte apoiar esta causa.

Em que circunstâncias te imaginas a regressar a Portugal?

Agora mesmo seria improvável regressar de forma definitiva, por motivos pessoais e profissionais; mas no futuro, nunca se sabe. Felizmente vou podendo fazer concertos em Portugal com bastante frequência e um regresso a Portugal não teria aliás que ser absoluto e definitivo. Talvez no futuro apareçam oportunidades para conciliar o meu trabalho na Alemanha com outro em Portugal, mas não gosto muito de estar a fazer futurologia e prefiro dedicar-me ao presente.

Que conselho dás a um jovem português que equacione a possibilidade de se tornar violoncelista profissional?

O meu conselho iria no sentido de apostar numa formação de qualidade e realista. É importante trabalhar muito, mas sobretudo trabalhar bem para poder atingir um nível alto e que nos possibilite ser felizes. Absorver a maior quantidade de informação possível, não só sobre violoncelo mas sobre música e cultura em geral, ser curioso, perguntar, investigar, ouvir muita música e muitos músicos.

Susana Gaspar

 
Susana Gaspar no papel de 1st Innocent, na ópera "O Minotauro" the Harrison Birtwistle (crédito: Bill Cooper/Royal Opera House)

Susana Gaspar no papel de 1st Innocent, na ópera "O Minotauro" the Harrison Birtwistle (crédito: Bill Cooper/Royal Opera House)

 
Susana Gaspar como Papagena e Christopher Maltman como Papageno, na ópera "A Flauta Mágica" (crédito: Mike Hoban/Royal Opera House)

Susana Gaspar como Papagena e Christopher Maltman como Papageno, na ópera "A Flauta Mágica" (crédito: Mike Hoban/Royal Opera House)

Entrevista com Susana Gaspar

Susana Gaspar (Lisboa, 1981) é uma das mais promissoras cantoras da actualidade. Termina agora a sua residência na Royal Opera House, ao abrigo do programa Jette Parker Young Artists, que a viu interpretar papéis como Papagena (Flauta Mágica) e Barbarina (As Bodas de Fígaro) no palco da prestigiada casa de ópera londrina. Recentemente foi nomeada para participar na Queen Sonja Competition e representou Portugal no BBC Cardiff Singer of the World. Em 2011, Susana cantou as Rückert Lieder de G. Mahler, acompanhada ao piano por Dinis Sousa (maestro da Orquestra XXI). O instrumento muda e, agora com orquestra, os dois músicos voltam a encontrar-se com a mesma peça para um momento que se aguarda com grande expectativa.

Orquestra XXI: Este ano foste seleccionada para dois dos mais importantes concursos da actualidade [BBC Cardiff Singer of the World e Queen Sonja Competition]. Serão estes concursos uma condição para que, actualmente, um cantor possa desenvolver a sua carreira?

Susana Gaspar: Acho que é sempre bom participar, mas o caminho não é o mesmo para todos, isto é, não há um caminho que conduza directamente ao sucesso. A exposição que se consegue e o facto de se ser ouvido(a) por directores de casting, encenadores, etc, pode ser muito importante; mas cada artista tem o seu próprio caminho a percorrer para chegar onde pretende. Em suma: os concursos podem ajudar, mas não são essenciais para uma carreira começar.

Além de que a tua carreira já tinha começado antes de apareceres no BBC Cardiff Singer of the World, já que a tua participação foi proposta pela própria Royal Opera House (ROH). Agora que terminas os dois anos de Jette Parker Young Artist, na ROH, qual achas que foi o aspecto mais positivo de por lá teres passado?

O mais positivo foi o contacto diário com artistas do mais alto nível, sejam eles cantores, maestros ou encenadores, e de estar no palco quase todos os dias. A experiência na ROH foi sem dúvida uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida, tanto a nível profissional como humano. É uma casa absolutamente fantástica, tem uma equipa excepcional.

Agora que terminas, quais são as perspectivas e de que forma é que a ROH poderá ajudar-te?

O facto de ter estado estes dois anos na ROH já foi uma grande ajuda, mas a ajuda mais directa que a ROH pode agora dar-me é o facto de, para o resto da minha vida, poder usufruir de sessões com os artistas da ROH, nas quais posso preparar o repertório que estiver a trabalhar, com pianistas, maestros, professores de línguas, etc. De graça! [risos]

Durante dois anos intensivos de ópera, tiveste algum espaço para trabalhar Lied?

Sim, embora não tanto como quando estava a estudar na Guildhall [School of Music and Drama]. Nestes dois últimos anos, a grande maioria do meu tempo foi destinada à ópera, mas tínhamos sempre recitais para preparar e, por isso, tive a oportunidade de trabalhar algum repertório Lied.

Com a Orquestra XXI vais cantar as Rückert Lieder. Tens alguma relação especial com estas canções?

Sim, a primeira vez que as cantei foi num dia muito importante. E uma das minhas cantoras preferidas tem, para mim, a melhor interpretação dessas canções.

A Jessye Norman?

Sim!!!

O repertório que mais gostas de ouvir é também aquele que mais gostas de interpretar?

Normalmente sim, mas há também repertório de que gosto muito e que não canto.

Na ópera, quais são os papéis principais que tens interpretado? Quais achas que farão parte do teu repertório, no futuro?

Tenho feito alguns, mas os dois maiores que já fiz foram o de Mimi [La Bohème, G. Puccini] e o de Violetta [La Traviata, G. Verdi]. Estes são, sem dúvida, dois dos papéis que voltarei a fazer futuramente. Quanto a outros, é difícil dizer: vou fazendo conforme as possibilidades que forem surgindo e é difícil enumerá-los.

Estiveste há umas semanas na Nova Zelândia, depois foste a Oslo e durante o ano estás constantemente a cantar em Londres, mas são raras as vezes em que actuas em Portugal. A tua ida para fora terá acabado por fechar algumas portas dentro de Portugal?

Não fechou portas, mas impossibilitou-me de estar disponível para ir a Portugal. Talvez, por não estar em Portugal, algumas pessoas não saibam sequer que eu existo ou não conheçam o meu trabalho. Mas espero que, com os concertos da Orquestra XXI, essa situação possa mudar. Gostava muito de poder trabalhar mais em Portugal e espero que possam surgir algumas oportunidades.

Que conselhos consideras mais importantes para um(a) jovem que esteja a equacionar o canto como uma actividade profissional? Que formação deve procurar? Que perspectivas se lhe poderão abrir?

Ter muita força de vontade, nunca desistir, não deixar que os obstáculos que aparecem nos façam mudar de ideias e nos façam desistir dos nossos sonhos e daquilo em que acreditamos. Não é uma vida fácil, e tende a ficar mais difícil. Há muita competição e, muitas vezes, a competição não é justa. Mas, mesmo que às vezes pareça impossível alcançarmos o que sempre desejámos, temos de pensar no público e no prazer que nos dá estar em cima de um palco e termos o privilégio de poder partilhar a nossa arte, os nossos sentimentos, a nossa maneira de ver o mundo com os outros. O facto de tocarmos no coração de alguém deve ser o suficiente para nos dar a força necessária para lutar. Um outro conselho que posso dar, mais ao nível prático é o de nunca pensar que já se sabe tudo e que uma batalha já está ganha; nunca nos acomodarmos, mas antes, procurarmos sempre mais. Temos que ser generosos, principalmente com os nossos colegas, e não perdermos tempo a criticar os outros, pois cada pessoa tem algo de especial. É importante aproveitarmos o tempo para nos instruirmos em línguas, na música e para nos cultivarmos.

A propósito dos obstáculos de que falaste e dos caminhos diferentes que cada um deve seguir, os teus últimos três anos têm sido cheios de sucesso, mas tu própria és exemplo de como nem sempre as coisas correm bem logo desde o início.

Sim, quando estava na Guildhall, concorri duas vezes ao Curso de Ópera da escola e nunca entrei. Acabei por fazer um mestrado diferente e, no final, fui finalista da Gold Medal, o concurso mais importante da escola. No mesmo verão, interpretei a Mimi com a British Youth Opera e fui seleccionada para o National Opera Studio (NOS). Daí, entrei directamente para a Royal Opera House. Ou seja, há males que vêm por bem - o facto de não fazer o Curso de Ópera da Guildhall deu-me a oportunidade de estar disponível para entrar no NOS e, depois, na ROH. No final, tudo apareceu e aconteceu no tempo certo; a vida é cheia de perdas e conquistas: o importante é aprender com essas experiências e saber aceitá-las. Se aceitarmos as perdas, é mais de meio caminho andado para estarmos preparados para as conquistas. As pessoas não têm todas que ter um percurso igual - este está a ser o meu.

Para terminar, há algum projecto que gostasses especialmente de realizar num futuro mais distante?

Tenho muitos: uns mais distantes, outros mais próximos. Adorava cantar a Violetta na ROH e adorava voltar a ser dirigida pelo Antonio Pappano, desta vez num papel principal.


Susana Gaspar interpreta as Rückert Lieder de G. Mahler com a Orquestra XXI entre os dias 4 e 7 de Setembro. Mais informações em concertos.